segunda-feira, 18 de abril de 2011

Ecce Homo


  

Reconduziram então Jesus ao palácio de Pilatos, a coroa de espinhos sobre a cabeça, o caniço nas mãos amarradas, coberto do manto vermelho. Jesus estava desfigurado, pelos sangue que Lhe enchia os olhos e Lhe escorria na boca e sobre a barba. O corpo, coberto de pisaduras e feridas, parecia-se-Lhe com um pano ensopado de sangue. Andava curvado e cambaleando; o manto era tão curto, que Jesus precisava curvar-se, para cobrir a nudez, porque Lhe tinham arrancado toda a roupa, no ato da coroação de espinhos.

 Quando o pobre Jesus chegou ao primeiro degrau da escada, diante de Pilatos, até esse homem cruel estremeceu de horror e compaixão. Apoiou-se a um dos oficiais e como o povo e os sacerdotes ainda gritassem e insultassem, exclamou: “Se o demônio dos judeus é tão cruel, então não deve ser bom morar com ele no inferno”. Quando Jesus foi puxado penosamente, escada acima e conduzido ao fundo, Pilatos saiu para a sacada; foi dado um toque de trombeta, para chamar a atenção do povo, a que Pilatos queria falar. Disse, pois, aos príncipes dos sacerdotes e a todos os presentes: “Escutai, vou mandá-Lo conduzir mais uma vez para diante de vós, para que conheçais que não Lhe achei culpa alguma”.

  Jesus foi então conduzido pelos soldados à sacada, ao lado de Pilatos, de modo que todo o povo reunido no fórum podia vê-Lo. Era um aspecto terrível, pungente, que primeiro causou no povo horror e penoso silêncio. O Filho de Deus ensangüentado dirigiu os olhos cheios de sangue, sob a coroa de espinhos, para o povo e Pilatos, que, ao lado, indicando-O com a mão, gritou aos judeus: “Eis aqui o Homem!”

 Enquanto Jesus, com o corpo dilacerado, coberto do manto vermelho derrisório, abaixando a cabeça traspassada de espinhos e inundada de sangue, segurando nas mãos atadas o cetro de caniço, curvado para cobrir a nudez com as mãos, aniquilado pela dor e tristeza, mas ainda respirando infinito amor e mansidão, estava diante do palácio de Pilatos, como um aspecto sangrento, exposto aos gritos furiosos dos sacerdotes e do povo, passaram pelo fórum grupos de forasteiros, homens e mulheres, com as vestes arregaçadas, em direção à piscina das Ovelhas, para ajudar a lavar os cordeiros da Páscoa, cujos balidos tristes se misturavam com os clamores sanguinários da multidão, como para dar testemunho em favor da Verdade, que se calava. Somente o verdadeiro cordeiro pascal de Deus, o revelado, mas não conhecido mistério desse santo dia, cumpriu a profecia e curvou-se em silêncio sobre o matadouro.

    Os sumos sacerdotes e os membros do tribunal ficaram cheios de raiva pelo aspecto de Jesus, espelho horrível de sua consciência e gritaram: “Morra! Crucificai-O!” Pilatos, porém, exclamou: “Ainda não vos basta? Ele foi tão maltratado, que não terá mais desejo de ser rei”. Eles, porém, se tornaram ainda mais furiosos, gritando como dementes e todo o povo repetia: “Deve morrer. Crucificai-O!” Então mandou Pilatos dar outro toque de trombeta e disse: “Pois tomai-O e crucificai-O vós, porque não Lhe acho culpa”. Responderam-lhe alguns dos príncipes dos sacerdotes: “Temos uma lei e segundo essa lei Ele deve morrer, porque declarou ser o Filho de Deus!” Pilatos replicou: “Pois se tendes tais leis, segundo as quais este homem deve morrer, eu não queria ser judeu”.

  Mas o dito dos judeus: “Ele se declarou Filho de Deus” inquietou Pilatos e suscitou-lhe de novo o pavor supersticioso; mandou, pois, conduzir Jesus a um lugar separado, onde Lhe perguntou: “Donde és?” Jesus, porém, não lhe respondeu. Disse-lhe então Pilatos: “Não me respondes? Por ventura não sabes que tenho o poder de crucificar-Te ou de soltar-Te?” E Jesus respondeu: “Não terias poder sobre mim, se não te fosse dado do Céu; por isso comete pecado mais grave aquele que me entregou em tuas mãos”.

 Cláudia Prócula, que estava muito angustiada pela hesitação do marido, mandou novamente um mensageiro a Pilatos mostrar-lhe o penhor e lembrar-lhe a promessa; ele, porém, lhe mandou uma resposta muito confusa e supersticiosa, da qual me lembro apenas que se referia aos deuses.

  Quando os príncipes dos sacerdotes e os fariseus tiveram conhecimento da intervenção da mulher de Pilatos em favor de Jesus, mandaram espalhar entre o povo: “Os partidários de Jesus subornaram a mulher de Pilatos; se Ele ficar livre, unir-se-à aos romanos e nós todos pereceremos”.

   Pilatos, na indecisão, estava como embriagado; a razão vacilava-lhe de um lado para outro. Disse uma vez aos inimigos de Jesus que não Lhe achava culpa. Mas vendo que esses, com mais vigor ainda, exigiram a morte de Jesus e inquieto pelos seus próprios pensamentos confusos, como pelos sonhos da mulher e as palavras significativas de Jesus, queria ouvir mais uma resposta do Senhor, que o pudesse tirar dessa situação penosa.

  Voltou portanto à sala do tribunal, onde estava Jesus e ficou a sós com Ele. Com um olhar perscrutador e quase medroso, fitou o Salvador desfigurado e ensangüentado, para quem não podia olhar sem horror e pensou comigo: “Será possível que seja um Deus?” e de repente se Lhe dirigiu com energia, conjurando-O a dizer-lhe se era um deus e não um homem, se era rei, até onde se Lhe estendia o reino, de que espécie era a sua divindade. Se lho dissesse, dar-Lhe-ia a liberdade.

– O que Jesus respondeu, posso dizê-lo só pelo sentido, não com as mesmas palavras. O Senhor falou-lhe com terrível severidade. Fez-lhe ver em que sentido era rei e qual o seu reino; mostrou-lhe o que era a verdade, pois disse-lhe a verdade. Nosso Senhor revelou-lhe, com toda a franqueza, os abomináveis crimes que Pilatos ocultava na consciência; predisse-lhe o futuro, a miséria no exílio, o fim horroroso e que Ele um dia viria julgá-lo com toda a justiça.

         Pilatos, meio assustado, meio irritado pelas palavras de Jesus, saiu para a sacada e exclamou mais uma vez que queria soltar Jesus. Então gritaram: “Se o soltares, não és amigo de César; pois quem se declara rei, é inimigo de César”. Outros gritaram que o acusariam perante o imperador por perturbar-lhes a festa; que devia terminar a causa, porque eram obrigados, sob graves penas, a estar no Templo às dez horas.

– O grito: “Morra! Crucificai-O!” levantou-se novamente de todos os lados; subiram até sobre os tetos planos das casas em redor do fórum e gritavam dali.

Então viu Pilatos que contra essa fúria não conseguiria nada; os gritos e o tumulto tinham algo de terrível e toda a multidão diante do palácio estava em tal estado de agitação, que era para recear uma rebelião. Pilatos mandou trazer água; o criado derramou-lhe água da bacia sobre as mãos, à vista de todo o povo e Pilatos gritou do pretório à multidão: “Sou inocente do sangue deste justo; vós tendes que responder pela sua morte”. Então se levantou um grito horrível, unânime, do povo reunido, no meio do qual havia gente de todos os lugares da Palestina: “Que o seu sangue caia sobre nós e nossos, filhos!”

(Livro Vida, Paixão e Glorificação do Cordeiro de Deus - Beata Anna Catharina Emmerich)

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